Os termos auto compaixão e desporto parecem não coincidir. O desporto não é apenas ser duro, mas também ser corajoso e apaixonado. Investir mente, corpo e alma no momento. Sim, isto é que é desporto e desempenho! No entanto, a questão permanece: como é que fazes para entrar num estado de espírito tão concentrado, envolvido e apaixonado? Eu tenho vindo a compreender que há outro caminho para lidar com a angústia desportiva ao invés de tentar esquecer o que se sente e focares-te na tarefa. Porque, sinceramente, alguns atletas simplesmente não conseguem fazer isto. Por vezes eles quando procuram resistir, podem ficar sobrecarregados com sentimentos e pensamentos indesejados. E quando eles não conseguem lidar com isso, qual é a resposta?
A primeira ideia tradicional de resistência mental é geralmente associada à resiliência e à autoconfiança. Ambos importantes no desempenho! Resiliência está relacionada com o ser capaz de recuperar da adversidade. Sim, é importante! Mas como fazes isto mentalmente? A segunda parte da resistência mental é a autoconfiança. Não há dúvida de que ser autoconfiante é fundamental. Se és confiante, boa! Teres convicção na tua capacidade pessoal para executares determinados comportamentos e alcançares com sucesso uma tarefa. É um ótimo preditor de sucesso!
No entanto, a questão permanece: o que o levará ao estado mental para ser (eventualmente) confiante e recuperar da dificuldade, se estiveres a passar por um momento menos bom antes e/ou durante o desempenho? Existem diferentes habilidades mentais trabalhadas na psicologia do desporto que podem ser muito úteis, incluindo o uso da visualização mental, palavras-chave e o estabelecimento de metas. No entanto, tenho vindo a descobrir que, quando os atletas estão em grande angústia, é preciso mais do que apenas dizer: “Esquece isso, coloca a cabeça no jogo e faz o que tens a fazer!”
É preciso uma resposta para ajudar os atletas a lidar com o sofrimento. Tenho vindo a aperceber-me, no trabalho que tenho desenvolvido, que oferecer alguma bondade é essencial nesses momentos. Sem isso, o teu medo ou autocrítica podem facilmente dominar-te.
Kristen Neff (2003), líder do pensamento mundial, oferece a sua definição de auto compaixão: “envolve ser tocado pelo próprio sofrimento gerando o desejo de aliviar o sofrimento e de se tratar com compreensão e preocupação” (Neff e Germer 2013). Essencialmente, a auto compaixão é o desejo de se libertar do sofrimento.
A auto compaixão (embora aparentemente paradoxal) pode ajudar no desempenho desportivo, especialmente quando estás distraído por uma dura autocrítica ou ansiedade associado ao desempenho. Normalmente os atletas são ensinados a ignorar ou mudar pensamentos indesejados (Wegner, 1994), mas aprendemos com o trabalho de Stephen Hayes (2004) que suprimir pensamentos e sentimentos negativos pode apenas fazer com que apareçam mais. E fica difícil sair desse circulo negativo, baixando o rendimento.
De fato, vejo a integração da auto compaixão como uma forma revolucionária de abordar a intensa ansiedade desportiva e a severa autocrítica no contexto desportivo. A auto compaixão atua como um calmante, reconfortando o “eu” quando surgem experiências angustiantes.
De acordo com estudos na área, a auto compaixão perante o sofrimento parece inspirar coragem: “A auto compaixão está associada à motivação intrínseca e a uma maior iniciativa pessoal para fazer as mudanças necessárias na vida de uma pessoa. Porque as pessoas compassivas não se repreendem quando falham, elas têm menos medo de fracassar e são mais capazes de enfrentar novos desafios “. Integrar a auto compaixão no trabalho que desenvolvo com os atletas, é um aspeto que considero que me distingue das abordagens habituais. A auto compaixão é realmente uma alternativa à abordagem tradicional de resistência mental. Existem três aspetos associados a esta abordagem: auto bondade/autorrespeito, humanidade comum/somos um todo e atenção plena.
A ideia é que, se não podes cuidar do teu próprio sofrimento, não poderás dar a ti mesmo o que precisas. Imagina, por exemplo: é como partires o um braço. Se não estás disposto a reconhecer que teu braço está partido, não vais certificar-te de que precisas obter ajuda médica. O mesmo é válido para o teu próprio sofrimento psicológico: se não te permites prestar atenção ao que estás a sentir, então não te estás a permitir dar a ti mesmo o que é necessário.
“João”, tenista profissional sente muita ansiedade nos jogos, chegando a ficar fora de controlo. Ficava com bastante frequência com dores de estômago antes de grandes jogos. A sua mente ficava cheia de pensamentos acerca da capacidade do adversário, questionava-se e preocupava-se em demasia se ele conseguiria ou não vencer o jogo, mantendo um discurso interno muito crítico acerca das suas próprias limitações. Com estes pensamentos as suas sensações físicas ficavam cada vez piores, o corpo mais tenso, na maioria dos jogos. Ao ponto de, às vezes, os seus braços serem afetados, não conseguindo que os seus movimentos saíssem de forma fluída. O “João” aprendeu a encarar (aceitar) e a tolerar a sua ansiedade, e a fazê-lo gentilmente. As emoções eram intensas e muito desconfortáveis. Em vez de ele preferir ignorar as emoções ou sensações físicas que surgiam, foi sugerido que presta-se atenção aos sinais da ansiedade quando começassem a surgir e os reconhecesse, rotulando-os. As frases (abaixo) de aceitação que ele usou estão alinhadas com a prática central de meditação da atenção plena. Ele utilizou as frases e imagens que achou que lhe permitiriam continuar a jogar com maior facilidade e permanecer envolvido no próprio jogo. Apelando aos três aspetos explicados acima.
Esta abordagem depois de aplicada, permitiu que o “João” quando começava a aperceber-se das sensações de ansiedade a aparecerem, trazia à sua mente estas frases e imagens. Deixando de se sentir tão tenso. Os seus braços deixaram de ser afetados, permitindo que os seus movimentos saíssem de forma mais fluida, apresentando-se muito melhor a nível do seu rendimento desportivo. Ainda sofria algumas sintomas de ansiedade, mas em menor intensidade, porque deixou de resistir ao medo. Ele enfrentou-o e ofereceu a si mesmo gentileza suficiente que lhe permitiria continuar a jogar, ter coragem (mesmo com medo, fazer o que é certo de qualquer maneira).
Desafio superado! 
E tu como lidas com os teus pensamentos, sensações físicas e emoções negativas?
Brevemente deixarei um novo post com um exercício para colocares em prática, de forma a trabalhares um pouco estas questões.
É possível, vivermos em harmonia, paz, amor, equilíbrio, abundância e de bem com a vida. Desde que nos permitamos viver alinhados com o nosso coração.
© 2023 Mariana Silva por DOUROMAIS
